CONTROLE DA DISCIPLINA SEM SINDICÂNCIA E SEM PROCESSO
Léo da Silva Alves
Estamos numa cruzada pelo país implantando um novo sistema de controle das infrações disciplinares, eliminando sindicâncias inócuas e processos sem sentido. Rui Barbosa ensinou que “a justiça consiste em tratar desigualmente os desiguais”. Por isso, propomos, para quem erra, a correção; para o indivíduo pernicioso, o peso e o fio da espada.
Fala-se, com alarde, da necessidade de combater a corrupção no serviço público e, para tanto, periodicamente são desencadeadas medidas de alto apelo popular – todas elas pregando rigor na punição. Em regra, no entanto, são reações contra servidores de baixo e médio escalões, que resultam espremidos pelo rolo compressor de processos disciplinares instaurados sem critério, instruídos sem segurança jurídica e julgados sem atender as finalidade do Direito Disciplinar. Na margem, os verdadeiros corruptos, indivíduos perversos, de má índole, doentes morais, escapam porque contra eles não são empregados os recursos seguros de enfrentamento. Toda munição é gasta com o hiposuficiente.
Há 20 anos treinamos profissionais em Corregedorias. É tempo suficiente para conhecer as deficiências e para amadurecer alternativas. Desde o Encontro Nacional de Corregedores, em Natal-RN, em janeiro de 2006, temos mostrado que a Administração Pública eficiente deve tratar a matéria disciplinar sob a ótica da ciência, deixando à margem os procedimentos sem sentido, que se põem, por vezes, no caminho dos gestores, menos a serviço do Bem e do Justo e mais – ou unicamente - a serviço da burocracia inútil.
O Direito Disciplinar, enquanto ramo científico, tal qual o Direito Penal, deve primar pela correção e justiça. A Administração não pode patrocinar violências; não pode pretender retorquir uma eventual incorreção de conduta agindo, também, incorretamente; não pode se tornar elemento desagregador de valores, proferindo decisões temerárias, que arrasam a honra e aniquilam carreiras.
O custo de um processo disciplinar é altíssimo. A complexidade é enorme, com formalidades que tanto exigem conhecimento especializado quanto demandam tempo e recursos. Para aplicação de mera pena de advertência, é preciso desencadear um aparato processante, com gasto para o erário e enorme desgaste para as pessoas. E, ao fim, para tudo resultar na mera satisfação da burocracia. A finalidade – de melhorar o servidor e de melhorar o serviço – raramente é alcançada.
Em 1963, na Alemanha, surgiu o princípio da discricionariedade da ação disciplinar, pelo qual a autoridade administrativa, examinando o caso concreto, pode eleger uma solução alternativa à aplicação de pena. Sempre, obviamente, uma solução que atenda ao interesse público, aperfeiçoando o funcionário e dando ao serviço melhor qualidade. Isso não significa abdicar de um poder; significa, ao oposto, que a autoridade administrativa ganha mais um poder: o de eleger uma solução inteligente que atenda as razões do controle da disciplina.
O Brasil vem recepcionando novos institutos de direito, dentre eles a arbitragem, a conciliação, a transação penal e o ajustamento de conduta. Pois é exatamente o ajustamento de conduta o instrumento formal que ora se afirma. Por ele, o gestor moderno operacionaliza o princípio que veio do direito alemão. Desta maneira, o processo tradicional, dispendioso e ineficiente, é substituído por um compromisso moral, que restabelece a ordem em curto prazo. (Entenda-se que o que desestimula a infração não é a severidade de uma pena em tese. O que desanima o infrator em potencial é a presteza da resposta. E o ajustamento de conduta é uma resposta rápida.)
O Estado de Tocantins foi a primeira unidade da Federação a implantar, por lei, o modelo que propomos. Outros Estados o fizeram por normatização interna, como o Estado do Pará, na Corregedoria de Educação e na Corregedoria de Polícia Civil. O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso foi além, avaliando, antes do ajustamento de conduta, mecanismos de prevenção e correção.
Cícero disse que “Direito é inteligência”. Toda solução que não for inteligente, não é solução jurídica: é mero exercício da burocracia inútil..
O controle das infrações disciplinares, segundo o melhor Direito, passa, na verdade, pelos seguintes instrumentos: a) prevenção; b) correção; c) ajustamento de conduta; d) aplicação de sanções.
A prevenção é instrumento da área de Recursos Humanos; a correção é instrumento das chefias imediatas. (Com isso, resolvem-se na base mais da metade dos incidentes que hoje se amontoam nas mesas das autoridades. Ficam as instâncias superiores com as causas remanescentes, para promoverem o ajustamento de conduta ou o processo disciplinar.) O ajustamento, para devolver, de imediato, para o serviço, um funcionário melhor; o processo, em caso extremo, para o enfrentamento dos indivíduos perversos, cuja presença no serviço público, aos poucos, vai se tornando insuportável.
Não se cria, com essa idéia, um direito novo. Interpreta-se e se aplica um direito que já existe, espalhado em normas e princípios. A Controladoria-Geral da União, pela Portaria nº 335, também faz a sua interpretação, ampliando os instrumentos de controle; vai além da visão restrita da sindicância e do processo disciplinar tradicionais. Isso mostra, portanto, que dentro do grande círculo do Direito Disciplinar há outras soluções. E atesta que, independentemente de se mudar a lei, é possível, por normas internas, fazer o ajuste da lei existente à realidade, às necessidades e à eficiência.
Por conta de processos improvisados, a maior parte das demissões é revertida pelo controle judicial. As decisões judiciais, no entanto, levam até décadas. Neste ano de 2008, o Supremo Tribunal Federal anulou um processo ocorrido em 1967. Isso significa que 41 anos depois, o servidor foi reintegrado (se vivo), aposentado (ou assegurada pensão para a viúva), mais a obrigação de pagar quatro décadas de salários e vantagens. Por isso, não é exagero afirmar que em todo processo disciplinar há um condenado: geralmente, é o contribuinte. Daí a relevância de se buscar instrumentos inteligentes.
Léo da Silva Alves é conferencista especializado em Direito Disciplinar. (leoalves@terra.com.br)
Léo da Silva Alves
Estamos numa cruzada pelo país implantando um novo sistema de controle das infrações disciplinares, eliminando sindicâncias inócuas e processos sem sentido. Rui Barbosa ensinou que “a justiça consiste em tratar desigualmente os desiguais”. Por isso, propomos, para quem erra, a correção; para o indivíduo pernicioso, o peso e o fio da espada.
Fala-se, com alarde, da necessidade de combater a corrupção no serviço público e, para tanto, periodicamente são desencadeadas medidas de alto apelo popular – todas elas pregando rigor na punição. Em regra, no entanto, são reações contra servidores de baixo e médio escalões, que resultam espremidos pelo rolo compressor de processos disciplinares instaurados sem critério, instruídos sem segurança jurídica e julgados sem atender as finalidade do Direito Disciplinar. Na margem, os verdadeiros corruptos, indivíduos perversos, de má índole, doentes morais, escapam porque contra eles não são empregados os recursos seguros de enfrentamento. Toda munição é gasta com o hiposuficiente.
Há 20 anos treinamos profissionais em Corregedorias. É tempo suficiente para conhecer as deficiências e para amadurecer alternativas. Desde o Encontro Nacional de Corregedores, em Natal-RN, em janeiro de 2006, temos mostrado que a Administração Pública eficiente deve tratar a matéria disciplinar sob a ótica da ciência, deixando à margem os procedimentos sem sentido, que se põem, por vezes, no caminho dos gestores, menos a serviço do Bem e do Justo e mais – ou unicamente - a serviço da burocracia inútil.
O Direito Disciplinar, enquanto ramo científico, tal qual o Direito Penal, deve primar pela correção e justiça. A Administração não pode patrocinar violências; não pode pretender retorquir uma eventual incorreção de conduta agindo, também, incorretamente; não pode se tornar elemento desagregador de valores, proferindo decisões temerárias, que arrasam a honra e aniquilam carreiras.
O custo de um processo disciplinar é altíssimo. A complexidade é enorme, com formalidades que tanto exigem conhecimento especializado quanto demandam tempo e recursos. Para aplicação de mera pena de advertência, é preciso desencadear um aparato processante, com gasto para o erário e enorme desgaste para as pessoas. E, ao fim, para tudo resultar na mera satisfação da burocracia. A finalidade – de melhorar o servidor e de melhorar o serviço – raramente é alcançada.
Em 1963, na Alemanha, surgiu o princípio da discricionariedade da ação disciplinar, pelo qual a autoridade administrativa, examinando o caso concreto, pode eleger uma solução alternativa à aplicação de pena. Sempre, obviamente, uma solução que atenda ao interesse público, aperfeiçoando o funcionário e dando ao serviço melhor qualidade. Isso não significa abdicar de um poder; significa, ao oposto, que a autoridade administrativa ganha mais um poder: o de eleger uma solução inteligente que atenda as razões do controle da disciplina.
O Brasil vem recepcionando novos institutos de direito, dentre eles a arbitragem, a conciliação, a transação penal e o ajustamento de conduta. Pois é exatamente o ajustamento de conduta o instrumento formal que ora se afirma. Por ele, o gestor moderno operacionaliza o princípio que veio do direito alemão. Desta maneira, o processo tradicional, dispendioso e ineficiente, é substituído por um compromisso moral, que restabelece a ordem em curto prazo. (Entenda-se que o que desestimula a infração não é a severidade de uma pena em tese. O que desanima o infrator em potencial é a presteza da resposta. E o ajustamento de conduta é uma resposta rápida.)
O Estado de Tocantins foi a primeira unidade da Federação a implantar, por lei, o modelo que propomos. Outros Estados o fizeram por normatização interna, como o Estado do Pará, na Corregedoria de Educação e na Corregedoria de Polícia Civil. O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso foi além, avaliando, antes do ajustamento de conduta, mecanismos de prevenção e correção.
Cícero disse que “Direito é inteligência”. Toda solução que não for inteligente, não é solução jurídica: é mero exercício da burocracia inútil..
O controle das infrações disciplinares, segundo o melhor Direito, passa, na verdade, pelos seguintes instrumentos: a) prevenção; b) correção; c) ajustamento de conduta; d) aplicação de sanções.
A prevenção é instrumento da área de Recursos Humanos; a correção é instrumento das chefias imediatas. (Com isso, resolvem-se na base mais da metade dos incidentes que hoje se amontoam nas mesas das autoridades. Ficam as instâncias superiores com as causas remanescentes, para promoverem o ajustamento de conduta ou o processo disciplinar.) O ajustamento, para devolver, de imediato, para o serviço, um funcionário melhor; o processo, em caso extremo, para o enfrentamento dos indivíduos perversos, cuja presença no serviço público, aos poucos, vai se tornando insuportável.
Não se cria, com essa idéia, um direito novo. Interpreta-se e se aplica um direito que já existe, espalhado em normas e princípios. A Controladoria-Geral da União, pela Portaria nº 335, também faz a sua interpretação, ampliando os instrumentos de controle; vai além da visão restrita da sindicância e do processo disciplinar tradicionais. Isso mostra, portanto, que dentro do grande círculo do Direito Disciplinar há outras soluções. E atesta que, independentemente de se mudar a lei, é possível, por normas internas, fazer o ajuste da lei existente à realidade, às necessidades e à eficiência.
Por conta de processos improvisados, a maior parte das demissões é revertida pelo controle judicial. As decisões judiciais, no entanto, levam até décadas. Neste ano de 2008, o Supremo Tribunal Federal anulou um processo ocorrido em 1967. Isso significa que 41 anos depois, o servidor foi reintegrado (se vivo), aposentado (ou assegurada pensão para a viúva), mais a obrigação de pagar quatro décadas de salários e vantagens. Por isso, não é exagero afirmar que em todo processo disciplinar há um condenado: geralmente, é o contribuinte. Daí a relevância de se buscar instrumentos inteligentes.
Léo da Silva Alves é conferencista especializado em Direito Disciplinar. (leoalves@terra.com.br)