sábado, 30 de maio de 2009

A MASSA DE INCIDÊNCIA DA SÚMULA VINCULANTE Nº 05, DO STF.

Juarez Gomes Nunes Junior
Oficial da PMCE; Bacharel em Direito;
Especializando em Direito Constitucional
O ordenamento jurídico brasileiro recebeu a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, um novo instrumento normativo que estabeleceu uma nova ordem jurídica para as decisões administrativas e judiciais de primeiro grau, as chamadas Súmulas Vinculantes.

A partir dessa modalidade legiferante, as decisões dos juízos primários, bem como as administrativas, estão obrigadas a seguir os comandos dispostos nas tais súmulas.

Dentre as matérias tratadas nesses dispositivos encontramos a Súmula Vinculante nº 05 do Supremo Tribunal Federal (A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição).

É de conhecimento da comunidade jurídica deste país que a edição desse dispositivo está suportada unicamente em questões de ordem política e econômica. A “segurança jurídica” invocada nos bastidores do STF diz respeito aos interesses da administração pública e não dos servidores públicos.

Percebe-se claramente a sua intencionalidade quando a confrontamos com a dicção da Súmula 343 do Superior Tribunal de Justiça (É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar).

A pergunta mais recorrente é a seguinte: O que fazemos com todo o aprendizado jurídico-doutrinário, tão massificado nos bancos acadêmicos, que sacramenta o devido processo legal, constitucional, democrático e pleno?

Na lição dos professores Marcelo Cattoni e Dierle Nunes: “Parte do pressuposto que o Supremo Tribunal Federal, por uma busca de uma eficiência inconstitucional, pode esvaziar o modelo constitucional de processo, permitindo que decisões desprovidas de um processo constitucional possam ser consideradas legítimas".

A despeito do viés latente de inconstitucionalidade, posto que tal mandamento deveria ser inconcebível frente a carga democrática inserta na Carta de 1988, faz-se então necessário um exame da massa de incidência dessa norma, seu alcance e efetividade.

Lembremos que o Direito Administrativo não é codificado e que os entes federativos possuem autonomia legiferante sobre a matéria, respeitando-se obviamente os comandos constitucionais.
Ocorre que, por efeito dessa autonomia administrativa, existem diversos estatutos e leis orgânicas de servidores públicos especiais que optaram por positivar o comando da súmula 343 do STJ. Por outro lado, alguns preferiram ficar silentes quanto ao tema, deixando esse desafio processual à mercê da capacidade dos hermeneutas de plantão.

O que fazer diante de um caso concreto em que o servidor público investigado esteja amparado por um regime jurídico que obriga a presença de advogado no processo administrativo disciplinar?

Não entende-se como “estanque” o comando da tão famosa súmula do STF. Disse o julgador (ou será legislador?), que a ausência do advogado no Processo Administrativo Disciplinar não ofende a constituição. Observe que se a ausência do defensor técnico não ofende a constituição, muito menos ofende a presença de tal operador do direito, visto que sua atividade, quando revestida de eficiência e efetividade, homenageia majestosamente o sagrado princípio da ampla defesa e do contraditório.

Abstraindo-se do campo doutrinário, toma-se como posicionamento consoante ao pensamento da Corte Magna, o que prescreve a disposição do Art. 164 da Lei Nº 8.112/90 - Regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, que sequer refere-se à defesa técnica:

Art. 164. Considerar-se-á revel o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo legal.
(...)
§ 2o Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.(grifo nosso)

Em posição diversa, temos exemplo de norma que se coaduna com o julgamento do Superior Tribunal de Justiça, obrigando categoricamente a defesa exercida por advogado, senão vejamos a previsão contida na lei nº 9.826/74 – Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Ceará.

Art. 185 - A defesa do funcionário no procedimento disciplinar, que é de natureza contraditória, é privativa de advogado, que a exercitará nos termos deste Estatuto e nos da legislação federal pertinente (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil).

O alcance da interpretação do STF transferida para a súmula, portanto, deve estar delimitado pela produção legal das diversas esferas da administração pública e sua efetividade manifesta-se no exercício pleno do devido processo legal.

Conclui-se, com efeito, que a massa de incidência do mandamento vinculante, como toda norma, deve ser adequada ao caso concreto, respeitando o ordenamento posto nos estatutos, leis orgânicas ou outras espécies normativas que regulem o processo administrativo disciplinar e que obriguem a defesa técnica realizada por advogado.

Juarez Gomes Nunes Junior

15 comentários:

  1. Fábio Campelo Conrado de Holanda1 de junho de 2009 às 14:39

    Compromisso e inteligência são sobrenomes do Professor Juarez Gomes Nunes Junior. Seguramente, um dos maiores expoentes no trato do Direito Disciplinar em nosso país. Parabéns Professor!

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  2. Professor Fábio Holanda. Vou apenas ficar feliz com o elogio, mas ainda estou infinitamente longe de merecê-lo. Sua participação neste fórum de debates e que vai realmente engrandecê-lo. Obrigado. Abração.

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  3. Concordo com o posicionamento exposto por este ilustre articulador da Corregedoria de Policia do EStado do Ceará, ressaltando dois pontos primordiais: que o direito administrativo não é codificado,onde cada órgão federativo é regido por suas leis específicas, onde aqui no EStado do Ceara, o estatuto que rege os policiais civis, garante em seu artigo 123 par2o.a presença do advogado para elaboração da defesa técnica e o segundo ponto vale ressaltar a seguinte passagem do texto acima " Observe que se a ausência do defensor técnico não ofende a constituição, muito menos ofende a presença de tal operador do direito..."

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  4. Dra. Gabriela Lima. Esse posicionamento voltado ao prestígio do Processo Constitucional é justamente o que deve preponderar nas cortes judicantes brasileiras. A interpretação literal das normas, tão somente, leva aos porões do absolutismo a tão castigada justiça desse país. Abraço e obrigado pelo comentário.

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  5. Migo, parabéns, vc é muito competente, abraços, Márcia Contenteefeliz!

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  6. Dra. Márcia Contente. Suas palavras são muito incentivadoras. Obrigado e disponha desse espaço, ele tambem é seu. Abração

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  7. Parabéns pelo blog.
    Quanto ao tema do post, penso que, na verdade, a súmula vinculante, como qualquer norma, só pode ter o seu sentido determinado em cada caso concreto. É importante, para determinar seu sentido, alcance e aplicabilidade, ainda, ter em mente a realidade do caso concreto que a originou. É indispensável comparar o caso que originou a súmula com aquele ao qual ela será aplicada.

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  8. Meu Caríssimo Prof. Hugo de Brito Machado Segundo. O caráter elementar desse ensaio surgiu exatamente pela dificuldade que observamos para que se enxergasse o mínimo. A norma, como bem falou não tem um significado em sí mesma, a não ser o que lhe for dado frente ao caso concreto. Tinha certeza que seu comentário me faria crescer um pouco mais. Obrigado

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  9. A visão dos professores Marcelo Cattoni e Dierle Nunes (sabiamente lembrada acima)reproduz com extrema propiedade o cerne da vontade política e econômica daqueles, que investidos de "Poder" e desprezando direitos já consagrados no nosso ordenamento, não vêem limites para legitamar o ilegítimo quando este assim o interessar, ainda que seja necessário "esvaziar o modelo constitucional de processo". Todavia, recorremos aos bancos acadêmicos para trazer à memória de que "a essência do Direito é a ação". E nisto consiste a excelência do Direito, em fazermos ressuscitar através de nossas atitudes, o verdadeiro espírito da justiça, não aceitando "goela a dentro", o cálice venoso que não raras vezes põem à nossa mesa.
    Vieira Júnior(Um velho amigo)

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  10. REENVIANDO. DESCONSIDERAR O TEXTO ACIMA.
    A visão dos professores Marcelo Cattoni e Dierle Nunes (sabiamente lembrada acima)reproduz com extrema propiedade o cerne da vontade política e econômica daqueles, que investidos de "Poder" e desprezando direitos já consagrados no nosso ordenamento, não vêem limites para legitimar o ilegítimo quando este assim os interessa, ainda que seja necessário "esvaziar o modelo constitucional de processo". Todavia, recorremos aos bancos acadêmicos para trazer à memória a inconteste verdade de que "a essência do Direito é a ação". E nisto consiste a excelência do Direito, em façamos ressuscitar através de nossas atitudes, o verdadeiro espírito da justiça, não aceitando "goela a dentro", o cálice venoso que não raras vezes põem à nossa mesa.

    Vieira Júnior
    Um velho amigo

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  11. Meu caro Dr. Vieira Junior. É exatamente esse o posicionamento de um grande jurista, que abstrai-se do conteúdo literal da norma e enfrenta as diversas facetas que lei assume frente ao caso concreto. Obrigado pelo comentário e volte sempre.

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  12. Meu caríssimo Dr. Juarez Jr., já havia lido seu brilhante texto no www.forumseguranca.org.br e lhe devo meus parabéns por mais uma tão objetiva, clara, didática e elucidativa obra. Muito interessante seu sarcasmo no trecho "Disse o julgador (ou será legislador?)", pois em que pese a 'Checks and Balances Theory', em terras tupiniquins facilmente se percebem intromissões indevidas de um poder em outro, o que gera abusos - que devem ser combatidos de imediato e com a eficiência devida.
    Muito obrigada pela oportunidade de acrescer meus estudos com sua obra!
    Abraços,
    Ana Cristina

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  13. Dra. Ana Cristina. Agradeço as referências e estou ao inteiro dispor. Na oportunidade, desejo muito sucesso na nova carreira. Forte abraço, Juarez Jr.

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  14. Seja muito bem recebido no cativante universo dos blogs. Sempre acreditei no seu potencial e capacidade de articulação. Parabéns e um grande abraço.

    Wilson Melo - Major PM
    www.sobrevivenciapolicial.blogspot.com

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  15. Meu caro Major Wilson, considero você um grande entusiasta e creio que grande parte das transformações que a Polícia Militar do Ceará terá que desenvolver, partirão da sua maneira progressista de pensar. Um forte abraço, Juarez Jr.

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